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Abismos – ENCONTROS VIRTUAIS DA CIA. ARTESÃOS DO CORPO

posted on maio 27th 2020 in Uncategorized with 0 Comentários

"Estranhos Seres Nebulosos e Ilusórios" com a Cia Artesãos do

Registro, reflexões e memórias dos encontros virtuais da Cia. Artesãos do Corpo durante o período de quarentena.

 

19/05/2020 (Mirtes)

Olá todo mundo.
Dizem que hoje é feriado. Pouco importa não é? Depois do filme Perdidos no espaço, deveriam produzir o Perdidos nos Governos, tal é o tamanho do “Não Sei”que os governos estão. Bem, os daqui, são os necro! termo novo, mas que é praticado há muito tempo.

Feriado ou não, o dia se fez ensolarado, deu pra tomar os 10 min de sol, e tentar não ficar deprê com as noticias.
Sabem quem escreveu querendo saber se estamos bem? O Armando a Betty. Lembram deles? Vieram para o festival, moram em A Corunha. Se dizem preocupados com as noticias do assassino que corre o mundo.

Nosso encontro começa com Dawn ( “não soa bem compartilhar coisas sobre fio dental”) contando que não usa o fio dental como deveria, ao contrario de seu marido, o Paulo, que faz isso com muita maestria! Mais uma cena pronta.

Como sempre nosso momento indignação por tudo o que acontece.
Uma passada pelos videos compartilhados na semana: Riyuki Sakamoto inspirando elegancia, MA e uma equipe  de fazer inveja.
Comentamos o artigo do Chomsky, de Saflate, o Greg Nwes e por que não o OVNI de Pau Grande.

As idéias para implodirmos esse neo liberalismo de dentro para fora foram dadas , como sempre, pelo MST.
Os videos estão todos nos zaps compartilhados.

E lá vamos nós pra mais uma semana de quarentena.

beijos
mi…isolando

 

21/05/2020 (Marcelo)

Passei a maior parte de minha vida em uma casa construída em um terreno que tinha sido dos meus bisavôs, e que depois foi dos meus avôs, e finalmente “nossa”. Casa velha, de cômodos grandes, teto de estuque, chão de tábua, que foi se expandindo conforme a família ia crescendo: Mais um quarto brotando aqui, uma cozinha sumindo ali e ressurgindo maior acolá, uma lavanderia e mais um banheiro se materializando nos fundos… Tudo muito desordenadamente, do jeito que dava, da maneira que a economia permitia. No final acabamos com quatro quartos, dois banheiros, uma cozinha, com uma mesa exageradamente descomunal no seu centro, me lembro que um marceneiro teve que retirar uma de suas tábuas para que ela entrasse pela porta, sala, lavanderia e o sumidouro “quartinho da bagunça” no centro de tudo. S em contar o quintal enorme, com varais, que na minha imaginação infantil pareciam postes de luz, uma horta cultivada pelo meu avô, e o pequeno jardim povoado pelas “mudinhas” que minha avó trazia das visitas as suas comadres ou que furtivamente afanava dos jardins alheios em suas breves andanças. Muita gente habitou naquela esquina, alguns por anos, alguns por meses, muitos foram concebidos lá, alguns foram e voltaram, mas muitos também não voltaram. A família se separou para que cada um criasse a sua própria família. Hoje ela tem apenas um habitante humano e dois caninos, mas, de alguma maneira, parte de mim ainda está lá, camadas de lembranças vão se sobrepondo, camadas de mundos que se foram, pequenos apocalipses. Coisas minhas ainda estão lá, alguns quadros, umas peças de roupa, meus CDs e meus livros, meus avós e minha infâ ;ncia. A lguns amigos também ficaram por lá, a última lembrança que tenho deles é da hora do chá, das intermináveis conversas pseudo intelectuais que acabavam em gargalhadas, ninguém levava aquilo a sério, e do rescaldo da pia cheia de louça dos lanchinhos da madrugada.
Hoje, quem pode, está exilado dentro de sua própria casa, com medo da peste, com medo da guerra, cada lar virou um mundo, cada saída uma aventura. Continuo cercado de livros, os CDs ficaram obsoletos, filmes agora nos chegam por código binário. O apartamento é pequeno e se encontra em uma daquelas avenidas citadas por Caetano na música que ele fez sobre a cidade. Estou aprendendo com um gato shakespeariano como colocar um universo dentro de uma casca de noz, ele ri de mim. Não sei quando tudo isso vai passar, nem sei como o mundo vai estar no final, não sou dado a vaticínios, só sei que, mais cedo ou mais tarde, tudo vai virar memória.

 

23/05/2020 (Ederson)

Hoje (23/05) estaríamos dançando pela primeira vez o “Senhor Tati”. Eu sempre detestei colocar informações na agenda do celular, mas em março eu resolvi tentar essa forma de organização e hoje o celular me avisa dessa data, dando informações sobre o trânsito até o Sesc Santana. Um aviso de algo que não vai acontecer, um adiamento, uma confusão temporal que confesso me deixou triste.

Triste pela noite de ontem, data que um vídeo revelado trouxe luz, forma e voz para o que já estava escancarado. Triste pelo sábado suspenso, pela estreia adiada, pela dança que será deslocada para outra data.

Sinto falta dos encontros, das coisas que só acontecem na presença física, saudades dos rituais simples do nosso cotidianos artístico: chegar ao estúdio, deixar o sapato fora da sala e sentir o chão de madeira acolher nossos pés descalços, abrir as janelas, o abraço, o café, o ensaio.

Está fazendo falta o contato fisico, o olho no olho sem mediação das telas, o calor dos corpos, a musica, a interação com cada artesão. Mas cuidar uns dos outros é o melhor caminho e seguimos em quarentena.

Estou adorando os encontros virtuais. É um respiro. Dou risada, me emociono, mato a saudade, penso, penso, penso nos futuros possíveis …

 

25/05/2020 (Mirtes)

Olá Pessoal

Hoje, segunda, dia 25 de maio. E temos pela frente mais uma semana de isolamento, noticias mórbidas e haja equilbrio emocional.
O vento tem varrido a cidade desde sexta. Os sinos tocam a noite toda. Rasgou nossa “cortina” da “varada”de trás ( nossa quantas aspas! – será que isso é um sinal de que tudo por aqui parece mas não é?), e os sinos tocaram mais do que nunca já que o vento podia entrar mais ainda pela casa. Descobri que o sino que a Alzira Origami nos deu quando desfez seu estúdio, é super afinado e , mesmo na ventania, toca ao acaso uma sequencia linda de notas.
Consolo para tantas incertezas, ou certezas mesmo, de tempos sombrios. Medos desenterrados de acordar com tanques na rua novamente.
Certezas apenas com relação às nossas capacidades de criarmos sempre nos divertindo apesar de tudo.
amanhã nos encontraremos para falar de ETs, do nosferatu ( será que Nosferatu ainda é melhor que ele? Hein Marcelinho?)

A palavra pico nunca foi tão ameaçadora. Esse pico parece não ter fim. Acho que pico não é uma boa palavra para dizer que milhares estão sucumbindo à falta de estrutura nos hospitais. O pico que nossos movimentos trazem tem uma sensação de fim, que por terras brasiles parecem desconhecer. Esse pico que “eles “( mais uma aspas) , tanto falam, não conhece o momento de acabar e de reconhecerem que não é pico e sim o fim do mundo.
Ontem falei com minha afilhada ( eu ia usar aspas, mas achei demais de aspas por hoje), e ela relata que em Portugal voltaram ao trabalho, os restaurantes abriram com restrições, as praias idem, guarda sois devem manter distancia uns dos outros e não podem jogar bola ou raquete, cabeleireiros estão com agenda lotada ( e não vou fazer piada preconceituosa) e o presidente deles ( que parece ser uma espécie de Lula com Mojica europeu), liberou ajuda para os pais que ainda não se sentem seguros para enviar os filhos para a escola e poderem ficar em casa, e verba para àqueles que tem que recomeçar com dificuldades diante das restrições, ou seja, ele quer que as pessoas se recuperem. Na voz de Aline, havia segurança, certeza de que tudo estava sob controle. Fiquei triste por nós aqui no Brasil. Daqui pra frente somos personas non gratas em qualquer país do mundo. Trump, como sempre um cretino, fecha as fronteiras para brasileiros, como se eles estivessem livres do virus. O mesmo se dará com outros paises na esteira do EUA.

Vou ver o que desenterro no armário dos víveres para comer, já que ainda tenho estômago para isso.

nos vemos amanhã
beijos
mi….segurando por um fio

 

26/05/2020 (Marcelo)

Quando a gente olha muito para o abismo, o abismo acaba olhando de volta para a gente.

Ontem o sol não apareceu, hoje o frio continua, mas pelo menos a bola de hélio incandescente de quinta grandeza, que faz com que a vida neste sistema solar seja possível, deu as caras. O vento sibila no corredor, a pequena varanda é tentadora, mas os sopros eólicos a torna proibitiva, o felino de pelagem negra nos mostra, com cara de desprezo, o lugar ideal para repormos nossa vitamina “D”, olho para a ele e rapidamente capto o que passa pela sua cabeça: “Humanos burros!” Não vou discordar. As páginas do livro que estou lendo começam a pingar em direção ao final, no capítulo de ontem o autor lista as pandemias pela qual a humanidade passou, pelo menos as que foram registradas durante o que a gente chama de “história”, pois o vírus da gripe, pelo o q ue consta, nos acompanha desde bem antes dos rios Tigres e Eufrates ganharem esses nomes. Penso em grandes e pequenas perdas, dizem que Deus mora nos detalhes, digo que ele não existe, porque se existe é alguém com um senso de humor extremamente bizarro. A TV jorra absurdos que nos afogam, devemos relaxar e esperar nossos pés tocar no fundo para tomar impulso em direção a superfície, ou nos debater desesperadamente esperando o socorro¿ O quão fundo é esse poço¿
Algumas vezes precisamos nos jogar do abismo para aprendermos a voar.

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