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Intercultural ?

posted on julho 28th 2015 in artigos with 0 Comentários

artigo intercultural

Dia do empresário- palestra e encontro com imigrantes no auditório da Pastoral

NOTA: esse é um relato absolutamente parcial, afetivo e artístico. Não necessariamente corresponde à verdade…(mas o que é a verdade?).

Parece que precisamos reafirmar aos empresários que a escravidão acabou e que os direitos trabalhistas adquiridos não podem ser rechaçados apenas dizendo que ao se valerem deles os trabalhadores são preguiçosos, que as mulheres engravidam de propósito e por aí vai.

Chegamos cedo e a cena dos imigrantes ocupando o pátio em frente à igreja se repetia. Vimos que também lavavam roupas e penduravam onde era possível: arame farpado, grade, qualquer lugar. Havia um homem que raspava a cabeça com gilete. Cobertores enrolados entre as colunas denotavam que muitos devem dormir no chão.

Novamente os branquelos chamam atenção e criam a expectativa de que estamos lá para oferecer um emprego.

Os “empresários” eram em sua maioria testas de ferro ou as menininhas do RH. Havia de tudo: uma senhora, proprietária de uma empresa de sei lá o que, uma sindica que queria um zelador imigrante, enfim, pequenas empresas. As grandes se juntam em conglomerados e terceirizam essas contratações. Uma psicóloga estava lá e nos disse que O Boticário, Natura e sei lá mais qual, usavam os serviços de sua empresa.

Ninguém quer um especialista, mas sim um carregador, limpador, burro de carga. Os imigrantes são dóceis  e aceitam qualquer coisa - dizem os pretendentes a levar um para seu negócio. *

Vamos à palestra:

Tudo começa com a palestrante da Pastoral nos convidando a relatar, um por um, de onde vieram nossos avós e pais. Com isso ela exemplifica que somos todos imigrantes. Isso nos inspirou a fazer o mesmo na peça, afinal por aqui o único brasileiro é o Leandro!

Ela faz um histórico do trabalho da Pastoral e após um café os empresários** começam a ficar inquietos e querendo ir direto ao ponto: como contratar imigrantes? À tarde essas mesmas pessoas entrarão num auditório e conhecerão os candidatos às vagas disponíveis.

* essas foram as impressões de apenas um dia do empresário. Já estivemos em outras ocasiões e o panorama foi diferente: haviam pessoas realmente conscientes de seu papel ao contratar imigrantes e pudemos ver que não dá pra afirmar que exista uma só posição com relação ao assunto.

** empresários aqui podem abranger desde uma única pessoa que deseja um empregado domestico até grandes empresas de vários setores.

Após uma entrada triunfal no auditório os empresários já encontram os candidatos devidamente acomodados na plateia. Voluntários tentam traduzir as vagas disponíveis para que aqueles que falam francês, creoulo, ingles, árabe, dialetos africanos, congolês, castelhano etc… possam entender o que significa por exemplo: auxiliar de serviços gerais.

Entre eles pessoas com diplomas de engenharia, computação e todo tipo de habilidades. Mas como nos dizem, quem lembra de pegar diploma ao sair correndo de um lugar para salvar a própria pele?

Aos poucos as verdadeiras tarefas vão se revelando:

Um sítio é na realidade um hospício. Hospicio não, diz o Sr, casa de recuperação.

Um restaurante é na verdade uma pessoa física (?) que irá terceirizar pessoas para um sindicato de restaurantes.

O auditório lotado: quem fala português? 3 gatos pingados levantam a mão, mas   continuam explicando tudo em Português mesmo!

Depois vem o inglês e o barulho do lugar não deixa nada do que é dito ser entendido e fica o dito pelo não dito e todos resolvem se amontoar nas mesas dos “empresários” antes que seja dada a largada oficial.

Lá fora embaixo de uma enorme tenda, a discussão com o Haitiano que toca trompete está acalorada: ele é advertido pelos próprios companheiros de que não é hora de tocar para não atrapalhar o auditório. É maravilhoso ouvir os sons de tantos idiomas.

Lá dentro Kossivi com sua roupa verde espera… junto dele Abdulai que diz não saber escrever espera também….

Um deles vindo da Africa de um lugar que não sou capaz de repetir o nome, disse olhando nos meus olhos que eu era “sua mãe”! Foi difícil explicar que somos apenas artistas e…sem dinheiro.

 

Primeiras experiências no saguão da Pastoral

Haviam poucos como sempre sentados no chão com um celular plugado e fones de ouvidos.

Sob olhares de desconfiança e incredulidade, começamos os movimentos de ficar sem nada para fazer com os olhares deles cravados em nós.

As pessoas da casa já nos reconhecem.

O som que levamos se perde e se torna estridente com o teto alto. Fica dificil distinguir som de barulho e de falas com sotaques.

Max (segundo Ederson ele aprendeu a lição: sempre abrevie seu nome para ficar mais fácil para o empresário te chamar) veio falar conosco. Ele está a mais tempo na casa, se veste bem e fala português melhor. Disse vir do Congo e sabia o que queria dizer a letra da canção “Makambo” de Geoffrey Oryema que usávamos para ensaiar e ao mesmo tempo chamar atenção deles pela sonoridade. Havia um que nos olhava com olhos de pantera- profundos, negros e não dava espaço pra nenhuma gracinha ou comunicação.

Foi um bom começo. Imagino que eles não se aproximarão tão facilmente.

1-   3 entradas de esperar

2-   aparecer e desaparecer

3-   diagonal

4-   slow

5-   centro e parede

 

Dia da Palestra Intercultural

A aula era para ser dade em francês, mas a voluntária teve um problema e a substituta só falava ingles. E assim foi: uma palestra em Inglês para uma audiência que fala Francês e/ou Creoulo.

O principal objetivo na verdade é preencher um formulário que dará acesso ao dia da escolha de possiveis colocações em alguma empresa. Por isso quando a professora disse que quem não falasse inglês que se retirasse, a maioria ficou mesmo assim.

A palestrante é Polonesa, mas casada com um Português de Portugal. Fala um Português com sotaque que mistura Português com Polonês para uma plateia que fala outras linguas.

Recomendações se sucedem:

– diminua seu nome- torne-o compreensivel

– o brasileiro não diz não.

– a bandeira brasileira possui cores que representam a mata, o céu e blá, blá, mas não tem a cor vermelha. E sabem por que? Porque o Brasil não faz guerras.

– que as relações entre empregadores e empregados são da área do afeto por conta da escravidão e mostra uma representação da Casa Grande e da Senzala

– avisa que os brasileiros tomam 3 banhos por dia ( nota- nessa época a cidade estava sem água)

– indica que sorrir sempre é um bom caminho

– o brasileiro não aceita conflitos

– diz ser possível progredir no Brasil apesar das diferenças sociais.

– diz ser aqui o país da abundância

– evitem gesticular muito

– diz que os brasileiros são ótimos gerentes de crises

– que o brasileiro não é persistente pois se não tem manga come banana

– e finalmente diz que o sorriso faz milagres no Brasil.

NOTA- esse relato não visa ridicularizar a iniciativa da Palestra Intercultural. Como já disse antes é um relato subjetivo de um olhar artístico.

Fany auxilia os que ainda não conseguiram preencher devidamente suas fichas, pois ela fala francês. Assim nos sentimos um pouco úteis.

Mirtes Calheiros

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