ago
21

IV VISÕES URBANAS – reflexões e continuidade

posted on agosto 21st 2014 in artigos with 0 Comentários

"Estado de Graca" / Cia Ltda

A IV Edição do Festival Visões Urbanas findou num sábado de outono e ainda ecoa pelo centro de São Paulo. A edição de 2009 concentrou 15 apresentações artísticas e um bate papo com pesquisadoras e criadoras fundamentadas no bailarino e arquiteto Rudolf Laban. O Pateo do Colégio, lugar privilegiado da cidade por seu fácil acesso, por ser um marco histórico (local da fundação de São Paulo), possuir um chão bem cuidado e propicio ao movimento, possibilitar visão ampla e de vários ângulos à platéia (colaborando com uma das características do Festival em não ter palcos formais) e finalmente, possuir suporte para segurança do público e artistas, confirmou ser um cenário perfeito para as apresentações.

As imagens (fotos e vídeo) falarão mais que as palavras, momentos poéticos e intensos que ficarão na memória dos que saíram de suas casas ou por um acaso cruzaram aquele quarteirão entre os dias 20 a 23 de maio. O interesse acerca do festival por uma mídia viciada em tragédia, foi surpreendente. Tivemos cobertura total da mídia impressa, digital e televisiva.

O festival uniu mais uma vez os participantes, através de uma programação que facilitou o convívio e o contato entre eles e com a cidade. Essa troca é afetiva, artística e lança amizades e contatos futuros. Assim tivemos Portugal, Espanha, Cuba e Argentina, bem como o estado de Alagoas, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Salvador e São Paulo falando a mesma língua – a linguagem da dança.

O que tenho a agradecer é o empenho, principalmente dos grupos que vieram de outras cidades e países, em participar do festival. Graças a essa imensa vontade que eles puderam estar aqui conosco e trazer suas criações para a cidade de São Paulo.

Foram quatro dias de intensa movimentação, com uma programação que privilegiou a diversidade estética e as diferentes formas de interação com a platéia e com a paisagem urbana.

Aos que ainda não conseguiram enxergar a importância do Festival Visões Urbanas a IV Edição marcou definitivamente o calendário da cidade – é o único festival com essas características que ocorre na maior cidade da América Latina, acolhendo um número incrível de público diariamente, contando com a simpatia imediata dos que por ali passam. Une e movimenta grupos de dança do país inteiro (recebemos propostas, além dos estados contemplados na programação, da Bahia, Amazonas, Rio Grande do Sul, Paraná) e já recebemos inúmeros pedidos de companhias e criadores da Europa (França, Bélgica, Alemanha, Espanha, Itália) comprometidos com a próxima edição que acontecerá em abril de 2010.

Em se tratando de um país como o Brasil que possui dimensões continentais, o fato de recebermos trabalhos e artistas que desenvolvem sua pesquisa no norte e nordeste do país facilita a circulação de idéias e o encontro entre todos, nos permitindo olhar para outros estados fora do eixo sul-sudeste, além de incentivar a continuidade dos trabalhos sabendo que existe um espaço para sua circulação e difusão.

Ainda sob a emoção da semana que acolheu 15 companhias de dança, arrisco uma análise do IV Festival Visões Urbanas, me permitindo desvios para falar das outras edições, pois é nesse processo continuo de aprendizado que caminhamos.

Difícil buscar uma regularidade de acontecimentos desde o primeiro Visões Urbanas tal a complexidade e singularidade que permeia cada um deles.

Ao contrário do que se espera de um encontro que supostamente deverá ocorrer anualmente, onde o aperfeiçoamento se dá pela reflexão de experiências vividas algumas bem vindas e outras que seguramente buscaremos evitar, isso não ocorre plenamente tamanha a diversidade de uma edição para o outra, seja em termos do montante dos apoios ou a total falta deles (como foi o caso da II edição), seja pela dificuldade que os grupos encontram em conseguir apoios para viagem.

O IV Festival Visões Urbanas que acaba de acontecer, caminhou para algo que consideramos de suprema importância: o congraçamento entre os participantes que vieram de outras cidades, tornando o encontro verdadeiro e a troca artística efetiva. Por outro lado, nos chamou a atenção o fato da maioria das companhias de São Paulo, com raras exceções, estarem ausentes nas apresentações de outros grupos e se mostraram menos afeitas a esse tipo de troca. Ausentes também ao Encontro Mulheres de Laban, onde acreditamos que teriam muito a aprender, a trocar, a provocar, colaborar e enriquecer o debate. Sem a presença maciça de todos o festival perde sua força e criamos uma relação de contratante e contratado, imagem que não queremos vincular ao festival. Tanto eu, Mirtes, como Éderson, somos artistas, antes de programadores, e são as dimensões artísticas e humanas que nos interessam com essa iniciativa que já dura quatro anos.

Outro aspecto que merece reflexão são as dinâmicas adotadas pelos apoiadores onde durante todo o processo de negociação, fazem exigências burocráticas, resultando em uma enorme perda de tempo e desperdício de verba, uma vez que providências precisam ser tomadas para que o festival ocorra da maneira como foi pensado e aprovado pelos mesmos que parecem não compreender a especificidade de cada projeto.

Em diferentes escalas todos os apoiadores “oficiais” seguem a mesma dinâmica. O PROAC e a Secretaria do Estado da Cultura nos deram relativa liberdade no gerenciamento artístico, mas corta verba preciosa, além de dividir o orçamento em quotas que muitas vezes engessam inúmeras iniciativas. Não podemos negar que os patrocinadores/apoiadores são essenciais para a realização do festival, e esperamos contar com todos novamente para a próxima edição, mas essa reflexão é fundamental para a afinação do diálogo entre realizadores e patrocinadores.

Soma-se a isso a precariedade do nosso setor turístico e a falta de sensibilidade das empresas em apoiarem um acontecimento tão feliz para a cidade.

Nesse caminho vamos encontrando aqui e ali, alguns que ainda estão vivos e se entusiasmam. À administração do Páteo do Colégio rendemos elogios, pois o Padre Contieri e sua secretária Priscila Correa foram de extrema importância para o festival acontecer nesse belo cenário.

Não podemos dizer o mesmo dos prédios públicos ao redor do Páteo do Colégio. Existem pelo menos três órgãos que de público não tem nada. Um deles curiosamente abriga a Secretaria de Direitos Humanos. Sugerimos à todos uma visita… A burocracia e a falta de sensibilidade é algo que não devemos aceitar, mas em uma secretaria que se intitula de direitos humanos isso é uma ofensa. Os prédios da Secretaria da Justiça têm em sua porta seguranças que barram a sua passagem a menor menção de olhar o belo pátio interno que eles possuem um deles ironicamente nomeado Pátio da Cidadania. Por quê? Ali seria um belo lugar para realizar apresentações quando chove ou quando faz frio. Existe um potencial artístico na cidade que não é explorado!

E, no entanto o festival aconteceu, mas ficam diversas perguntas:

E o ano que vem?

O que aprendemos com esse?

Valeu a pena tanto trabalho se não há a mínima certeza de continuidade?

Será que os envolvidos vão reavaliar suas posições burocráticas e refletir sobre seu papel diante da arte e da sociedade?

Que só vamos selecionar trabalhos artísticos que tenham sido REALMENTE criados na e para a rua, mesmo correndo o risco de ficar com três ou quatro apresentações?

Creio que ainda é cedo para tais conclusões, mas as perguntas nos motivam a refletir e definir parâmetros para os próximos anos.

Ficamos imensamente felizes com o resultado e com o retorno do público que acompanhou o IV Visões Urbanas, reafirmando esse projeto como um acontecimento essencial para a cidade.

Para finalizar agradecemos os mais de 70 projetos recebidos, os profissionais envolvidos na produção e na logística do festival, aos mais de 90 artistas que dançaram, produziram, compuseram musicas, operaram o som ou tocaram ao vivo, criaram figurinos, registraram, desenvolveram idéias cenográficas movimentando o mundo da dança.

À todos muito obrigado.

Mirtes Calheiros

Ederson Lopes

The Woody projetos artísticos e culturais

We would love to hear your comments