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Na Hora da Despedida

posted on julho 28th 2014 in artigos with 0 Comentários

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A Cia. Artesãos do Corpo/Dança-Teatro participou da ultima edição do Festival Internacional de Danças em Paisagens Urbanas – Lugar à Dança realizado em Portugal em julho/agosto de 2005 com o projeto Visões Urbanas. Dele faziam parte a instalação coreográfica Olhar Urbano apresentada no centro histórico da cidade de Coimbra, o workshop O Corpo e a Cidade e o vídeo dança Encontro, apresentado no Parque Verde do Mondego.

Companhia de teatro dança como Cia. Skalen (França), Earthphisdance (Suíça), Nomad (Finlândia), Morphodidius (Holanda) entre outras estiveram presentes com trabalhos que percorrem caminhos investigativos semelhantes aos nossos. Sem preocupação em estabelecer fronteiras conceituais rígidas, também utilizam longos processos de trabalho.

Tínhamos uma inquietação em levar a instalação coreográfica Olhar Urbano, uma vez que falamos de corpos que necessitam transformar o tempo em seu deslocamento pelas ruas para ir ao encontro de movimentos essenciais. A cidade de Coimbra é toda ela dedicada à contemplação, não estando sujeita, portanto ao estresse de cidades como São Paulo. Logo na primeira apresentação essa dúvida se dissipou. De tanto olhar Coimbra, Coimbra precisava ser olhada novamente. Ainda que a violência cotidiana vivida por aqui seja difícil de ser compreendida por aqueles que não participam desse cotidiano, todos puderam sentir o impacto que causa uma dança criada a partir da experiência nas ruas de São Paulo. Como disse o jornal Diário de Coimbra – “Do estresse paulista a pacatez coimbrã”.

Assim o Earthphisdance, também trazia em sua apresentação movimentos submetidos às rotinas, repetitivos e uma forte crítica à falta de contato humano.
O Moovlab de Lisboa com seu elenco composto de arquitetos e bailarinos levaram para a rua enormes pufes em forma de setas e se deslocavam criando movimentos que buscavam a interação do corpo com as setas e com as pessoas na rua. A identificação entre esse grupo e os Artesãos fui muito forte e esperamos em breve estabelecer uma parceria com eles para realizarmos um trabalho conjunto.

Participaram de nosso workshop intérpretes vindo de diversas áreas da dança, teatro, performance, arquitetura. Após os encontros ressaltaram a liberdade de criação que a linguagem da companhia propicia. Lamentamos o pouco tempo em que ficamos juntos. Todos se apresentaram no último dia do Festival na Pça 8 de Maio no Centro histórico da cidade e foi muito bom vê-los se manifestando sobre a cidade em que vivem.

Foi uma semana intensa. Estávamos em uma casa próxima a Universidade e como toda boa cidade histórica era um sobe e desce por ruas estreitas, com pedras polidas por tantos passos. De nossa janela avistávamos o rio Mondego e infelizmente a fumaça de tantas queimadas nos arredores de Coimbra e por todo o país. No encontro que tivemos com o Moovlab na livraria XM para falar de nosso processo de trabalho, enfrentamos uma chuva de cinzas que o vento teimava em trazer da mata ardendo. O bate papo teve temas bem diversificados, falamos sobre a dança no Brasil, sobre a dificuldade de manter a pesquisa de uma linguagem na cidade de São Paulo, sobre a violência e sobre o corpo contemporâneo. O primeiro livro que encontramos na prateleira da livraria XM foi do cineasta Kiarostami: Na arte, ao contrário do mundo dos negócios, o aperfeiçoamento só pode surgir da inadequação. Temos essa frase colada em uma de nossas paredes no estúdio, pois a via incerta tem nos dado maiores inspirações.

Voltamos reafirmando nossa teimosia em existir e levar nossa pesquisa adiante. Dançar na rua é uma das propostas que a Cia. desenvolve desde 1999 e depois da experiência em Portugal, já estamos preparando outro trabalho: Formas que o acaso e o vento dão às nuvens.

Agradecemos á todos de Coimbra a acolhida, a comida gostosa, o pessoal todo do Vó Arte, o fado que ecoava pelas ruas estreitas cantado pelos homens de capas pretas: Coimbra tem mais encantos na hora da despedida. E assim, cantando, fomos embora.

Em tempo: A Cia. Artesãos do Corpo realizou a viagem sem nenhuma espécie de apoio por parte do Brasil!

Mirtes Calheiros

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