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Por que na rua?

posted on maio 30th 2007 in artigos with 0 Comentários

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Por que na rua?
Bate papo com os grupos que participaram do IIº Visões Urbanas, representantes do Movimento Teatro de Rua e da Cooperativa Paulista de Teatro.

Local Cooperativa Paulista de Teatro
II º Visões Urbanas / 23 a 27 de maio de 2007.
Festival Internacional de dança em paisagens urbanas
Rede CQD

O II º Festival Internacional de dança em paisagens urbanas Visões Urbanas, contou entre outras iniciativas, com um bate papo entre os participantes do festival (Grupo Caixa de Imagens, Coletivo Solo, Urubus, Lu Bortoletto, Gil Grossi, Lara Pinheiro Dau) e convidados que possuem trabalhos artisticos e pesquisas desenvolvidas para os chamados “espaços não convencionais”. Foram eles: Eliana Cavalcante do Movimento Mobilização Dança e do núcleo Passo Livre; Carlos Biaggioli, representante da Cooperativa Paulista de Teatro; Iracity Cardoso, Coordenadora de dança da Secretaria Municipal de Cultura representada por Alexandra Itacarambi;Cícero Almeida do Teatro Popular União e Olho Vivo e representante do Movimento de Teatro de Rua ; Mirtes Calheiros, diretora da Cia Artesãos do Corpo; Ederson Lopes, produtor da Cia Artesãos do Corpo; Tiel del Valle, assessor de imprensa.

O Festival Visões Urbanas é uma realização da Cia Artesãos do Corpo e faz parte da rede CQD – Rede Cidades que Dançam que conta com festivais em cidades da Europa, América Latina e Central como Barcelona, Lisboa e Valparaíso.

Até então São Paulo não estava incluída nesse circuito e consideramos que uma cidade que possui tal produção em dança não poderia ficar fora de uma rede tão representativa. Falta agora que os possiveis apoiadores também se sensibilizem e possibilitem que o IIIº Visões Urbanas tenha um alcance maior e que possamos trazer grupos de outros paises para uma troca mais efetiva entre todos os participantes.

Para essa edição a Cia Artesãos do Corpo contou apenas com uma verba reduzidíssima advinda do Projeto “O Corpo e a Cidade” contemplado na primeira edição do Programa de Fomento à Dança para cidade de São Paulo.

Para o bate papo sugerimos alguns tópicos como:
– a dança na paisagem paulistana;
– como sensibilizar as instituições de segurança para receber a arte na rua;
– o corpo na cidade.

A partir daí foram sendo traçadas as linhas básicas que norteiam os trabalhos desenvolvidos pelos grupos presentes ao encontro que apontavam várias intersecções e pontos em comum como :

– a arte inserida no cotidiano da cidade a fim de conectar os passantes ao tempo presente;
– a proposta de velocidades mais reduzidas a fim de levar à contemplação, à opinião sobre o que está acontecendo e ao questionamento sobre para que serve a velocidade;
– a platéia se configura como pessoas que podem escolher não aderir à intervenção, sendo comum aos grupos o fato de não haver um convite formal para as apresentações nas ruas;
– colocar o corpo como questionador de um cotidiano estressante e sem graça e apontar pontos de resistência na cidade e no asfalto;
– provocar um estranhamento através dos movimentos extra-cotidianos;
– colocar o corpo como fator integrante do meio ambiente;
– discutir o que é espaço público;
– inverter o paradigma de que o fato social é apenas a violência;
– lançar olhar para a poesia cotidiana.

O encontro revelou as motivações dos grupos para realizar trabalhos em espaços abertos e os aspectos que não contribuem para o desenvolvimento dessas intervenções.

Para começar, lembramos da importância do Movimento Mobilização Dança nas inúmeras conquistas que a dança contemporânea obteve, uma delas a Lei de Fomento à Dança apresentada pelo vereador José Américo e aprovada por unanimidade pela Camara dos Vereadores. Essas ações possibilitaram maior visiblidade e incentivo aos trabalhos que vinham sendo realizados anonimamente por grupos e companhias em toda cidade.

Ederson Lopes, produtor e intérprete da Cia Artesãos do Corpo ressaltou a importância de levar as propostas apresentadas para o Visões Urbanas a uma público que não tem acesso a dança e que não vai às salas de apresentações. Lembrou que os trabalhos que foram apresentados são diversos, tendo tanto os que vão circular pela cidade como os que dialogam com o teatro. Agradeceu a participação de todos na esperança que essa parceria entre artistas e programadores sobreviva por muito tempo e que possamos dar apoio aos grupos com a mesma qualidade das propostas apresentadas.

Lembrei que os Artesaõs do Corpo realizam trabalhos na rua desde 1999 e temos visto aumentar nossos problemas com relação a falta de preparo da polícia com relação as intervenções artisticas na rua. Imaginamos que esses problemas também tenham ocorrido em outros grupos e considerei um bom tema para conversarmos.

Ederson , propos aos presentes para que contassem o por que a rua para a expressão de sua arte. Por que não a proteção do palco? O que toca cada trabalho no sentido de serem levados para a rua?

Para Eliana Cavalcante a rua é uma escolha e trabalhar no bairro de Pinheiros foi um desafio, uma vez que o lugar, segundo ela, não é glamuroso e é pouco desejado. As pessoas passam correndo naquele Largo. Antes da performance realizamos um questionario para detectar os lugares em que as pessoas gostavam de ficar como se fosse um mapa turistico. Quanto ao Bairro de Pinheiros elas relatavam que ali não havia nada, desconsiderando o Instituto Tomie Ohtake, o SESC e outras espaços e lugares que ninguém quer ver.

“Você está transitando e do nada
recebe um presente, dentro dessa
cidade caótica.” Lara P. Dau

Para Lara Pinheiro Dau a rua significa “ampliar o universo da dança que considera muito fechado, além de colocar o intérprete fora do centro das atenções e para isso um intenso trabalho interno tem que ser realizado”. Suas experiências começaram em Amsterdam onde ela percebeu “ser mais uma pessoa em meio a tantos acontecimentos e isso a fez perceber o espaçao de maneira difente”. Lara também levantou um fato que pareceu ser comum a todos os grupos presentes: não querer convidar formalmente as pessoas para as apresentações na rua, pois “a idéia de espetáculo não serve a essas apresentações e sim a idéia de intervenção”. Cabeça de Alface, apresentada por ela, proporciona até “dançar com os feirantes e causar estranhamento, levando uma linguagem do corpo a qual as pessoas não estão acostumadas, não é o corpo que passa na Tv, nem o corpo cotidiano. O público que assiste a essas apresentações é muito diverso, tem criança, velho e as pessoas são pegas de surpresa. Você está transitando e do nada recebe um presente, dentro dessa cidade caótica.

Todos que realizam trabalhos na rua ouvem comentários, que podem sinalizar como anda o inconsciente das pessoas com relação à arte, uma vez que são pegas pelo inusitado, obrigando-as a reajustar o olhar muitas vezes viciado.

“as pessoas que presenciam uma intervenção na rua, têm possibilidades
mais amplas para uma possivel troca com
o artista.” Rosana Judkowitch

Rosana Judkowitch, interprete da Cia Artesãos do Corpo, acrescenta que os trabalhos de rua pegam os passantes de surpresa e sem as “camadas protetoras” que um público convidado a uma sala de teatro possui. Para ela “as pessoas que presenciam uma intervenção na rua, tem possibilidades mais amplas para uma possivel troca com o artista.
Existe algo mais permeável e consequentemente uma particula de preciosidade que vai além do que seria para um públlico formal.”

“Pensamos em como poderíamos constrir
um espetáculo intimista sem ser individualista
num local que tem um pensamento tão duro,
rígido e aí nasceu o projeto:
Nós e aquela caixinha.” Monica Simões

Para Monica Simões do Grupo Caixa de Imagens, “os trabalhos na rua começaram a uns 13, 14 anos a partir da observação de que as pessoas usam os espaços apenas como espaço de passagem sem prestar atenção, sem parar. Pensamos em como poderíamos constrir um espetáculo intimista sem ser individualista num local que tem um pensamento tão duro, rígido e aí nasceu o projeto: Nós e aquela caixinha. Nele trabalhamos muito com essa questão do parar, da lentidão e do pequeno detalhe, a qualidade estética. Nós temos tido experiências muito interessantes, pois tem sempre uma pessoa que tem pressa e as desculpas são sempre as mesmas: eu tenho que trabalhar, até mesmo aos domingos as pessoas dizem que tem que trabalhar. Eu tenho que ir para Brasilia, tenho horário no dentista. Quando a fila já está formada nós perguntamos às pessoas que estão no inicio da fila, se estas pessoas com pressa poderiam passar à frente e a fila deixa. Essas pessoas que furam a fila por pressa acabam ficando até o fim e ninguém acha ruim. Nunca aconteceu de alguém da fila dizer: Poxa! Mas vc não tava com pressa? Algumas pessoas que não conhecem o nosso trabalho dizem: Ahhhh! Mas pegar fila é uma coisa chata! Mas aquela fila é uma fila completamente diferente, pois ali se forma um grupo que está vivendo algo muito especial!!”

Para a Cia Atesãos do Corpo interferir na velocidade proposta pela rua tem sido um trabalho constante e quando nos perguntam se é dança, respondo : é dança sim e é um aspecto diretamente ligado ao corpo. Quando assisti ao trabalho da Caixa de Imagens percebi que só pode ser realizado com essa maestria se o corpo inteiro estiver participando na movimentação do boneco que aparentemente se dá apenas com as mãos.

Como então dialogar com os órgãos,
as entidades para obtermos cada vez mais
consistência para o movimento de dança
voltada para paisagens urbanas? Ederson Lopes

Ederson lembrou o interesse das pessoas em dançar na rua. Na oficina “Paisagens do Corpo” realizada no Estúdio Artesãos do Corpo em fevereiro tivemos uma procura de mais de 60 pessoas e a maioria já trabalhavam com dança, com movimento. Existe uma demanda para esses trabalhos na rua e o Festival Visões Urbanas veio também com o objetivo de abrir mais um espaço de trabalho, criação e difusão. O movimento Teatro de Rua já tem uma história e criou demandas dentro da Secretaria de Cultura e em outros espaços para difundir estas outras linguagens. Como então dialogar com os órgãos, as entidades para obtermos cada vez mais consistência para o movimento de dança voltada para paisagens urbanas?

Que natureza é essa? O que é vc olhar uma florzinha numa grade? Ou um vento que passa entre os corredores de uma galeria de São Paulo? Essas coisas começaram a virar questionamentos de como percebemos a natureza num ambiente urbano porque as pessoas geralmente não olham para isso, não escutam isso. Lu Bortoletto

Para Luciana Bortoletto os trabalhos na rua começaram unindo fotografia e dança e naturalmente surgiram oportunidades para apresentações em espaços alternativos. “Aí conheci o haicai, que é uma poesia japonesa, que fala basicamente da observação do ambiente. E quando nós lemos o haicai ele esta relacionado com a natureza pura, no sentido de não urbanizada, porque as referências que temos são essas. E aí como é isto na cidade? Que natureza é essa? O que é vc olhar uma florzinha numa grade? Ou um vento que passa entre os corredores de uma galeria de São Paulo? Essas coisas começaram a virar questionamentos de como percebemos a natureza num ambiente urbano porque as pessoas geralemente não olham para isso, não escutam isso. Quando um passarinho está cantando, você está no escritório sem prestar atençao nisso. Nós tivemos um encontro com o Jorge Peña, o sonoplasta, uma pessoa muito especial que trabalha basicamente com improvisação e com a criação das texturas dessas paisagens sonoras e às vezes aproveitando as interferências dos sons que vem da rua também. E aí começamos a desenvolver esta história da poesia haicai com a dança e a sonoplastia em ambientes alternativos, não necessariamente na rua. Acho que o que mais pega nesta proposta é fazer a pessoa parar por um instante que seja. Então nós realmente abordamos as pessoas e recebemos todo tipo de pergunta como: quanto tenho que pagar por um haicai? Então a pessoa sorteia uma poesia, lê e ai a gente dança.

Porque no caso desta dança na rua, ao mesmo tempo que não é um corpo cotidiano, também não é aquela dança que as pessoas acham que vão ver, com movimentos virtuosos, pois aqui a gente propõe que a dança seja um gesto. É uma dança de 20 seg no máximo. São coisas que não tem preço!! – Lu Bortoletto

É tudo personalizado, para cada pessoa uma sonoplastia diferente de acordo com o haicai. Nós utilizamos um guarda chuva que é quase uma caixa acústica, cheio de pinduricalhos. E aí a gente cria essa dança e recebemos como retorno uma coisa muito forte que é desde a pessoa chorar, porque de alguma maneira aquilo suscitou alguma coisa nela, que só ela sabe, que é segredo dela, até uma pessoa que começa rir, a outra que sai, vai embora, foge. Uma outra que pergunta: isso é dança? ou: ele é seu pai? Ou se é poesia japonesa porque você naõ está vestida como japonesa? E enquanto estamos em cena, conversamos com as pessoas, não é um trabalho que entra num lugar que apesar de estar com ela ali em cena, mantém um certo distanciamento. Lógico que não ficamos ali batendo papo, mas se necessário conversamos um pouquinho. Mas é sempre a sensação de algo novo, o friozinho na barriga: o que será hoje? A gente vai para o Pateo do Colégio? O que será que absorveremos deste lugar ou o que levaremos para este lugar e o que as pessoas deste lugar irão receber disto? Porque no caso desta dança na rua, ao mesmo tempo que não é um corpo cotidiano, também não é aquela dança que as pessoas acham que vão ver, com movimentos virtuosos, pois aqui a gente propõe que a dança seja um gesto. É uma dança de 20 seg no máximo. São coisas que não tem preço!!

“atualmente vivemos em contato com uma sociedade totalmento
voltada para o consumo e o único local em que um pedreste
para é na frente de uma vitrine, caso contrário, está de passagem mesmo!
É nossa responsabilidade transformar isso.” Carlos Biagiolli

Carlos Biagiolli parabenizou a iniciativa da Cia Artesãos do Corpo e agradeceu a escolha da sede da Cooperativa Paulista de Teatro para o encontro e lembrou que o portal para a dança está aberto à todos.

Depois falou sobre sua experiência em teatro e circo bem como sua atuação nos espaços abertos. Afirmou que “atualmente vivemos em contato com uma sociedade totalmento voltada para o consumo e o único ponto em que um pedreste para é na frente de uma vitrine, caso contrário,está de passagem mesmo! È nossa responsabilidade transformar isso.”
Sua sugestão é “ trazer de forma envolvente este espectador que cai de para- quedas trasportando-o para um estado de vivência. È como se compartilhassemos com o transeunte a responsabilidade da construção da cena. É óbvio que a gente não vai encenar sem nada debaixo da manga, pois infeliz daquele que acha que o bom ator está improvisando, afinal de contas é uma questão de repertório, de bagagem de vida. É isso, acredito, que caiba para todas linguagens como para a dança e o teatro de bonecos. Acredito que as surpresas vão acontecendo e você tem que estar com sua musculatura muito desenvolvida no sentido de estar atento à si mesmo, à sua própria vivência e bagagem para poder, como um alquimista, na hora que a coisa acontece, você ter instrumentos para puxar o coelho da cartola e salvar aquela situação. Estamos vivendo um momento em que dar uma boa cuspida no meio da rua, junta uma roda. Porque as coisas estão padronizadas, estão totalmente esquematizadas para o consumo.

“Então nós temos que competir com as vitrines, temos que competir com os homens sanduiches, temos que transforma-los em personagens das nossas intervenções, temos que transformar o espectador em participe. Se no seu espetáculo de rua ou intervenção não houver a participação do cachorro, da prostituta, do desempregado, do louco, do bêbado ou do guarda civil, então não atingiu o seu objetivo de estar levando a arte para a rua.” Carlos Biagiolli

Vejo que necessitamos quase que um terrorismo teatral para envolver estes espectadores paraquedistas. Estou vendo aqui uma foto no programa do Festival no Viaduto Santa Efigênia, que só pela foto já me trasformou! Eu já fui arrebatado, eu acho que é por aqui então o caminho. Nós temos que criar situações que fujam da palavra. Porque a rua não é um lugar da palavra, ou não é o lugar da palavra coloquial. E temos que criar situações de vivência. O Caixa de Imagens, por exemplo, quando me deparei com o trabalho deles, me arrebatou e me transportou para um lugar que me tirou do cotidiano. Então nós temos que competir com as vitrines, temos que competir com os homens sanduíches, temos que transforma-los em personagens das nossas intervenções, temos que transformar o espectador em participe. Se no seu espetáculo de rua ou intervenção não houver a participação do cachorro, da prostituta, do desempregado, do louco, do bêbado ou do guarda civil, então não atingiu o seu objetivo de estar levando a arte para a rua.”

Ressaltei que a experiência nas ruas sempre teve antes de qualquer coisa um objetivo pedagógico na medida em que a sala de aula, com seu chão liso e confortável não oferece desafios e situações ricas como a rua. Além do fato da rua nos oferecer poesia, movimentos e personagens bastando para isso apurar o olhar. Uma balde de água que um lojista ou zelador de prédio joga no chão possibilita uma infinidade de cenas e movimentos criados ali mesmo na hora: pessoas pulando a água, levantando as calças para não molhar, desviando, pisando na água distraidamente, escorregando, um cachorro que mata a sede, uma senhora que reclama até as imagens vistas de forma invertida no chão.
Queremos continuar criando para rua e palco, pois são experiências indissociáveis.

Carol do Urubus desenvolveu dois trabalhos, sendo um em árvores e outro na rua. Para interagir com o espaço, realizam pinturas corporais a fim de levar a idéia de que “nosso corpo é sim um elemento natural e parte dessa natureza”. Já nas árvores, são trabalhos de longa duração: de 24h a 4 dias. O objetivo dessas intervenções são as mesmas já levantadas: levar arte para a rua, olhar de uma outra maneira a cidade. São Paulo possui poucos elementos naturais, diz Carol. A árvore é um deles. Significa um “momento de pausa estar na árvore olhando os pássaros ou simplesmente abraçá-la”.
Carol relatou experiências intensas desde que iniciaram as intervenções nas árvores. Ela conta que já houve homem se masturbando enquanto elas estavam na árvore, teve morador de rua que participou do começo ao fim da intervenção, dormindo, auxiliando o pessoal de apoio e até meditando com o grupo. Ela diz que algo acontece e que certamente o que elas realializam não é um espetáculo e não tem sentido convidar pessoas para irem assitir e o fato de ir alguém só para assistir deixa o grupo frágil Segundo ela “olhar para a vida, para o cotidiano é fazer alguma coisa”.

Lembrei que a Cia Artesãos do Corpo trabalha muito com a idéia de recuperar a capacidade de contemplar e há um comentário que sempre ouvimos ao realizar nossos trabalhos que é: vocês não tem mais nada o que fazer? Sempre que a situação permite vou atras do sujeito e explico didaticamente quanto de trabalho há envolvido e o quanto de estudo os intérpretes dedicam à sua performance.

O olhar que dedicamos ao cotidiano passa por um outro crivo que é o do olhar que seleciona o que vê e muitas vezes por uma questão de sobrevivência: Quem aguentaria olhar de verdade crianças que dormem na rua todos os dias? Precisaria tomar uma providência, não? Então é melhor não enxergar.
Por isso contemplação e olhar de outra maneira são questões que trazemos em nossos trabalhos.

“…mas sim de unir os fazedores da arte com o intuito de mostrarmos à cidade
de que ela necessita destes “jardineiros” que jogam essas sementes
com a intenção de conscientização da população, direta ou indiretamente
através do canal da arte para que assim possamos contribuir
para um meio ambiente melhor, uma sociedade mais integra
e uma cultura mais desenvolvida.” Cícero Almeida

Cícero Almeida do Teatro Popular União e Olho Vivo realizou um histórico dos movimentos de teatro de rua:
“os grupos de teatro de rua, no decorrer dos tempos, foram se unindo na tentativa de criar provocações de utilizações de espaços, não só no sentido de aplicar a arte no âmbito da cidadania, como responder o que é cidade. O que é o meio ambiente? Ás vezes as pessoas acham que a arte se reduz apenas ao ato da apresentaçõe e da existência da Companhia e nada mais. O artista que tem o espírito da rua, sabe que lá fora é uma outra visão, é uma imensidão e para o artista qualquer fato tem um significado, até mesmo um morador de rua tem uma outra visão que às vezes a nossa sociedade qualifica de uma outra forma, justamente por não conhecer essa realidade. Então a partir desse posicionamento alguns grupos se uniram e criaram o Projeto Se Essa Rua Fosse Minha: cada grupo através de sua linguagem, provocava sua interferência no cidadão, no cotidiano ou no transeunte que circulava pela ciade. Tudo isso regado a muitas discussões e reflexões entre os grupos participantes. Como consequência do amadurecimento das idéias que eram discutidas, surgiu então o Movimento do Teatro de Rua, para que pudéssemos criar mais força, no sentido de sairmos das garras dos programas de governo que por vezes nos impõe lugares específicos para apresentações, o que nos faz perceber que a cidade e o meio ambiente e suas localidades não são em verdade lugares públicos!
Entaõ o Movimento de Teatro de Rua hoje não tem apenas como finalidade unir grupos, fazer mostras e suas apresentações, mas sim de unir os fazedores da arte com o intuito de mostrarmos à cidade de que ela necessita destes “jardineiros” que jogam essas sementes com a intenção de conscientização da população, direta ou indiretamente através do canal da arte para que assim possamos contribuir para um meio ambiente melhor, uma sociedade mais integra e uma cultura mais desenvolvida.

“Hoje vivemos uma inversão de valores, pois os profissionais dos órgãos
públicos olham os artistas com desdém e
não percebem que se houvesse a extinção do universo
das artes, estes órgãos públicos nem existiriam.” Cícero Almeida

E por falar em cultura mais desenvolvida, é importante salientar que nós do Movimento Teatro de Rua estamos com os olhos bem atentos em relação aos espaços culturais que vão se perdendo à cada gestão política: Vento Forte, Tendal da Lapa, etc.. Sendo assim, podemos dizer que o Movimento tem como preocupação primordial cuidar e preservar a politica cultural da cidade e não partidária. Hoje vivemos uma inversão de valores, pois os profissionais dos órgãos públicos olham os artistas com desdém e não percebem que se houvesse a extinção do universo das artes, estes órgãos públicos nem existiriam. E como consequência de todo esse processo nos tornamos reles produtos. Eu acho que quem é artista em sua essência não enxerga seu trabalho como produto. Não podemos perder essa bandeira!”

Sobre os espaços ditos públicos, relatei que nossas últimas apresentações foram muito tensas pois a polícia insiste em não querer entender a importância da arte nos espaçõs públicos tratando todos com truculência, como de resto, tratam assim tudo aquilo que não entendem. As intervenções no Viaduto Santa Efigênia quase terminam em tragédia, pois uma viatura do GOE (a mesma que simulou sequestro com balas de verdade em Pernanbuco), passou em alta velocidade em um local repleto de pessoas e bateu com o espelho retrovisor do carro no peito de um performer e avisou à outro que da próxima vez – passa por cima! Em outra intervenção em frente ao prédio dos correios, onde supostamente não pode passar carro, eles vinham com a viatura e um cachorro com a cabeça pra fora da janela, com a sirene ligada dispersando aqueles que nos assistiam e por duas vezes passaram muito perto de nossa movimentação, com o firme propósito de dispersar….
Em um dos relatórios que fizemos à Secretaria de Cultura, pontuamos a necessidade de conscientizar as ditas autoridades duras para que garantam condições de trabalho aos artistas.

“ Nós focamos muito na questão da formação de público e esquecemos que quem necessita dessa foramção são as instituições, a polícia, os profissionais que recebem os projetos para utilização desses espaços.” Ederson Lopes

Biagiolli disse que a rua é lugar de passagem! Não é lugar de encontro! Três pessoas juntas significa motim.

Diogo Soares, pesquisador musical da Cia Artesãos do Corpo lembrou que há outras formas de inibir os trabalhos na rua por falta de “educação” para a cultura. Em São José do Rio Preto, as apresentações ocorreram na rodiviária e as TVs permaneceram ligadas em volume máximo, pois a administração da rodoviária não queria retirar as propagandas e o SESC não cuidou para que isso não acontecesse.

Para Ederson “ Nós focamos muito na questão da formação de público e esquecemos que quem necessita dessa foramção são as instituições, a polícia, os profissionais que recebem os projetos para utilização desses espaços.”

Carol também disse “ter passado por esse mesmo tipo de pressão nas apresentações no CEAGESP. Os mesmos policiais que haviam checado nossa autorização para performance naquele local, em um determinado momento nos arrastaram de lá em decorrência da reclamação de uma senhora.

“Manter-se artista nesta cidade é uma tarefa muito árdua.” Cícero Almeida

Segundo Cícero “A ditadura ainda está aí, só está mudada. Antigamente sabíamos quem eram explicitamente nossos inimigos. Hoje dá mais medo porque é tudo camuflado e você não sabe quem é quem. O artista que é visto por essas pessoas que receberam esta formação cultural lá de traz são vistos apenas como formadores de opinião: Ah! Ele é transformador, provocador, ele é comunista! Vagabundo! Então isso mostra o quanto ainda temos por caminhar. É uma vivência em vários sentidos! Manter-se artista nesta cidade é uma tarefa muito árdua.”

Encerramos o bate papo ressaltando a importãncia de percebermos que não estamos sozinhos e muitos temas podem ser discutidos como por exemplo a questão da mídia na rua que nas poucas vezes em que aparece estraga tudo ou o interesse que demonstra por eventos apenas. Será mesmo que precisamos de mídia?

Ederson solicita à Alexandra Itacarambi, representante da Sra Iracity Cardoso, que relatasse que o fomento à dança pode propiciar este tipo de diálogo, com essa qualidade de reflexões e que não só visamos um produto artístico. “Esse nosso encontro demonstra como nossa arte não tem preço. Torcemos para que esse diálogo entro os movimentos, os artistas e a secretaria de cultura continue. Precisamos caminhar bastante para que a politica cultural de dança possa avançar criando outros programas para circulação dos trabalhos. Agradecemos à todos.”

Assim inciamos nossas intervenções na esperança que tudo corra bem com os intérpretes.

E assim foi.
O IIº Festival Visões Urbanas tomou conta de boa parte do centro da cidade. Me emocionou e tocou muitas pessoas.
Que venha o IIIº Festival Visões Urbanas em 2008!

Muito obrigada,
Mirtes Calheiros

Mirtes Calheiros – Socióloga, bailarina, Diretora da Cia Artesãos do Corpo dança-teatro e coordenadora artística do Festival Visões Urbanas.

Participaram do bate-papo Por que na rua?: Grupo Caixa de Imagens, Coletivo Solo, Urubus, Lu Bortoletto, Gil Grossi, Lara Pinheiro Dau, Eliana Cavalcante do Movimento Mobilização Dança e do núcleo Passo Livre; Carlos Biaggioli, representante da Cooperativa Paulista de Teatro; Iracity Cardoso, Coordenadora de dança da Secretaria Municipal de Cultura representada por Alexandra Itacarambi; Cícero Almeira do Teatro popular União e Olhe vivo e do Movimento de Teatro de Rua ; Mirtes Calheiros, diretora da Cia Artesãos do Corpo; Ederson Lopes, produtor da Cia Artesãos do Corpo; Tiel del Valle, assessor de imprensa.

Mirtes Calheiros

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